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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Rupturas e continuidades no pensamento de Ludwig Wittgenstein


Por José Edilson Teles*


Prólogo: apresentação do debate

Friedrich Ludwing Gottlob Frege (1848-1925)
Esse ensaio tem como objetivo central contrastar as duas fases do pensamento de Ludwig Wittgenstein, tendo como ponto de referência o Tratactus logico-philosophicus, de 1921 e as Investigações filosóficas, publicado em 1953. Assim, perguntamo-nos pelas continuidades ou rupturas no tratamento de sua filosofia da linguagem.
A fim de situar o contexto de sua produção, procuramos apresentar os antecedentes do debate entre os proponentes da Filosofia Analítica. Por economia textual, delimitei-me a Friedrich Ludwing Gottlob Frege (1848-1925), considerado o fundador da lógica moderna. Isso porque a primeira fase do pensamento de Wittgenstein, sintetizada no Tratactus, consiste numa extensão das análises de Frege, ao passo que as Investigações apresentam uma ruptura, apesar de manter a preocupação com a questão da linguagem.
O ensaio divide-se em três partes: na primeira procuro situar os antecedentes do problema da lógica na filosofia da linguagem em Frege e a proposta de sua Conceitografia; a segunda procura situar o pensamento do jovem Wittgenstein, no qual procura estender as análises de Frege; por fim, a terceira parte busca compreender os desdobramentos da filosofia da linguagem na segunda fase do pensamento de Wittgenstein.             

Parte 1: Antecedentes de um problema: a lógica moderna

Ludwig Wittgenstein (1889-1951)
Os proponentes da Filosofia Analítica encontravam-se às voltas com um problema clássico na tradição filosófica: o problema do fundamento lógico da linguagem. Segundo essa vertente, o estado da lógica encontrava-se, por um lado, restrita ao silogismo de Aristóteles e, por outro, eclipsada por pseudo-proposições metafísicas. Nesse sentido, os filósofos analíticos denunciam as bases epistemológicas sobre as quais a tradição filosófica assentou sua ontologia e buscam recompor o rigor da lógica da linguagem filosófica, isto é, o fundamento científico das proposições filosóficas.


Afinal, em que consiste o fundamento epistemológico da filosofia analítica? Para tratar dessa questão é preciso recuar à “Conceitografia” (Begriffsschrift), de Friedrich Ludwing Gottlob Frege (1848-1925), publicado em 1879. Entretanto, considerado um marco na lógica moderna, essa obra não teria tido, conforme José Arthur Giannotti, a “mínima repercussão” no contexto do debate (GIANNOTTI, 1961, p. 3). Posteriormente a potência de seu argumento seria reconhecida e equiparada à contribuição de Primeiros Analíticos (2005), de Aristóteles, obra fundadora da lógica filosófica.
Em Conceitografia, uma linguagem por fórmulas do pensamento puro modelada pela aritmética, Frege apresenta o que viria a ser conhecido como “projeto logicista”. Considerando que a linguagem não surgiu com a finalidade de produzir ciência, devido à polifonia a qual está submetida, Frege defendia a necessidade de uma nova lógica fundada no rigor matemático. Uma vez que a língua natural, tal como conhecemos, não é adequada para as necessidades científicas, Frege privilegia a dimensão rigorosa dos conceitos.
Frege estabelece as bases do que viria a ser o projeto logicista em quatro pontos: 1) demonstrar que os instrumentos a disposição dos matemáticos eram insuficientes para levar adiante o projeto; 2) fornecer os instrumentos técnicos para o novo projeto; 3) esboçar as linhas gerais da nova lógica; 4) exemplificar os procedimentos ou aplicações conceituais do novo projeto. Desse modo, a Conceitografia proposta por Frege é considerada uma ruptura com a tradição filosófica desde Aristóteles. A partir desse projeto teremos condições de situar as contribuições de Ludwig Wittgenstein ao projeto logicista, bem como sua ruptura posterior. É sobre isso que tratarei seguir.

Parte 2: Tratactus: espelhamento do real

      Tratactus logico-philosophicus (1968 [1921]) representa a exposição da primeira fase do pensamento do jovem Ludwig Wittgenstein entre os anos de 1910 e 1920. Seu trabalho procura levar adiante as análises de Frege. Em oposição à tradição fenomenológica, cujo interesse voltava-se para uma ontologia da consciência, o Tratactus de Wittgenstein pretende tornar clara a natureza do discurso filosófico ao fazer ciência. Assim como Frege, Wittgenstein considera que a linguagem natural é insuficiente para tratar dos problemas filosóficos. Para ele haveria uma estrutura subjacente à linguagem que permitiria acessar uma estrutura ontológica, isto é, tratar da “realidade”, da coisa em si. O problema da filosofia continental ou fenomenológica é que seu procedimento era equivocado.
Para Wittgenstein a possibilidade de acessar a estrutura lógica da realidade seria mediada por um modelo lógico adequado: a linguagem matemática. Nesse sentido, o estudo da lógica não estaria preocupado com a “verdade”, mas com a validade dos enunciados. Assim, Wittgenstein apresenta o argumento central do Tratactus ao propor a teoria pictórica da proposição: a estrutura lógica da proposição, isto é, um conjunto de enunciados lógicos, reflete à estrutura do mundo. O modelo matemático daria condições para acessar uma ontologia da realidade. Entretanto, essa teoria da significação será abandonada por Wittgenstein nas Investigações Filosóficas.

Parte 3: Investigações filosóficas: as regras do jogo

            As Investigações filosóficas, escrita em 1945 e publicada em 1953, representa a segunda fase do pensamento de Wittgenstein. O principal alvo são as teorias da significação assumidas no Tratactus. A própria estrutura de argumentação é radicalmente nova, assumindo um modelo dialógico. Nas Investigações o problema da linguagem é central, mas com uma diferença fundamental da tese defendida no Tratactus: ao invés de buscar uma “lógica subjacente” à linguagem, um modelo matemático que espelha uma ontologia do real, Wittgenstein sugere que a configuração da linguagem depende do contexto no qual ela encontra-se situada. Nesse sentido, há muitas lógicas e inúmeras configurações de seus sentidos.
       Portanto, nas Investigações há uma virada epistemológica no conceito de “significação” e “compreensão” defendidas no Tratactus. O significado não é obtido por um espelhamento com o real, tal como supõe a teoria de denotação (sua primeira fase), mas pela dinâmica do uso, pelo contexto e nas implicações dos jogos de linguagem. Os falantes constroem a compreensão dos significados nas regras que são colocadas: muda o jogo, muda a regra. Nesse sentido, para Wittgenstein não há uma essência da linguagem (uma lógica subjacente), mas múltiplos usos contextuais (1999 [1953], p. 52, parágrafo 65). 
 
Epílogo: rupturas e continuidades

Os quase 30 anos que separam o Tratactus (1921) e as Investigações (1949) permite-nos pensar em duas fases do pensamento de Wittgenstein. Por um lado, podemos afirmar que há uma centralidade na questão da linguagem; por outro, há claramente uma ruptura de abordagem no que diz respeito à teoria da denotação. Se Tratactus levara adiante o projeto de logicista iniciado por Frege, as Investigações apresentam novas possibilidades de tratar a questão da linguagem, evitando tanto a essencialização da tradição fenomenológica quanto redução matemática da tradição logicista de sua primeira fase.  


REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARISTÓTELES. “Primeiros Analíticos”. In. Obras completas. Lisboa, 2005.
GIANNOTTI, José Arthur. “Introdução”. In: Tratactus logico-philosophicus, de Ludwig Wittgenstaein. São Paulo: Edusp, 1961 [1921].
NETO, Fernando Raul. “Prefácio ao Begriffsschrift (1879) de Gottlob Frege (1848-1925): tradução e introdução ao texto”. In. Revista Brasileira de História da Matemática - Vol. 8 n. 16, 2008.
WITTGENSTEIN, Ludwing. Tratactus logico-philosophicus. São Paulo: Edusp, 1961 [1921].
WITTGENSTEIN, Ludwing. Investigações filosóficas. São Paulo: Nova Cultura, 1999 [1953].


José Edilson Teles é mestrando em Antropologia Social (USP), graduado em Sociologia e Política (FESP-SP) e pós-graduando em Filosofia e Pensamento Político Contemporâneo (Centro Universitário Assunção - UNIFAI).