Por José Edilson Teles*
Resumo.
Esse
breve ensaio pretende problematizar os incômodos que a linguagem religiosa
produziu durante a sessão que votou pelo impeachment
da então presidenta Dilma Rousseff (PT) em abril de 2016. Essa sessão tornou
evidente, entre outros elementos, as características da laicidade brasileira. Para
tratar desse problema, parto da seguinte questão: por que o discurso religioso
de alguns parlamentares favoráveis ao impeachment
causou (certo) desconforto público? Minha hipótese consiste em demonstrar que a
gramática religiosa acionada pelos parlamentares em seus votos pró-impeachment apresentam os elementos
de uma religião como ato sacrificial, cuja função estabelece a vítima como
canalizadora da crise coletiva.
Palavras-chave: Impeachment, religião, laicidade, gramática religiosa, sacrifício.
As
palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de
trama a todas as relações sociais em todos os domínios.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem, 2002,
p. 41.
Tal
como mostra hoje, uma vez mais, o uso desenfreado dessa herança bíblica, nós
ainda não dispomos de um conceito apropriado para a diferença semântica entre o
moralmente incorreto e o profundamente mal. Não existe o demônio, mas o anjo
caído segue seu curso calamitoso – seja nos bens invertidos da ação monstruosa,
seja também no incontrolável ímpeto de vingança que o segue de perto.
HABERMAS, Jürgen. Fé e saber, 2012, p. 18.
Prólogo: por
que a linguagem religiosa incomoda os modernos?
Em Fé e saber, Jürgen Habermas havia colocado o desafio de pensar o
lugar da religião no mundo moderno após o acontecimento de 11 de setembro de
2001. Em linhas gerais, eis o problema: de que modo a “tensão entre a sociedade
secular e a religião” desafia os modelos analíticos que tratam do processo de
secularização e da emergência da esfera pública nas sociedades modernas?
Segundo Habermas, ao menos duas explicações convergiram para o diagnóstico
equivocado quanto à presença das religiões nas sociedades seculares: a primeira
por enfatizar o otimismo do progresso da modernidade “desencantada” ao
pressupor domesticação e substituição dos modos de vida religiosa
por equivalentes racionais ou valores modernos; a segunda por enfatizar que os
valores modernos são apropriações
ilícitas dos valores religiosos e, portanto, herdeira dos motivos de sua ruína.
Segundo Habermas o equívoco
de ambas as leituras consiste em considerar a secularização como a superação da religião pelas forças produtivas
e da técnica advindas com o capitalismo. Nesse “jogo de soma zero”, como diz
Habermas, “um só pode ganhar à custa do outro” (2013, p. 6). Nesse sentido, a
religião é vista (no mínimo) como uma intrusa que insiste em estar fora do seu
“devido” lugar, à esfera da vida privada. A fim de propor uma releitura do
paradigma da secularização, Habermas argumenta
que o conceito de sociedades “pós-seculares” tem como objetivo desenvolver uma
nova perspectiva sobre as tensões entre as linguagens religiosas e as
linguagens seculares. Portanto, podemos concluir que para Habermas “a história
da modernização não coincidiu sempre com a história da secularização” (MONTERO,
2009, p. 206).
Segundo Habermas, o desafio
das sociedades “pós-seculares” seria encontrar um modo de ajustar-se “à
sobrevivência de comunidades religiosas em um ambiente cada vez mais
secularizante” (2013, p. 6). Preocupado com a busca de consenso na esfera
pública, espaço do agir comunicativo entre os diversos falantes (inclusive os
religiosos), Habermas insiste na possibilidade da pluralidade de vozes que devem caracterizar o que chama de
sociedade “pós-secular”. Se a linguagem religiosa parece causar desconforto numa
sociedade que explica seu mundo nos termos de um saber técnico-científico, tal
como o exemplo da engenharia genética, a provocação de Habermas é que essa
linguagem mítica não deve ser de todo descartada, mas “traduzida”. Essa seria,
segundo Habermas, a relação entre fé
(religião) e saber (ciência e política).
O otimismo de Habermas em
“traduzir” a linguagem mítico-religiosa nos termos das linguagens seculares não
apenas reconhece as “funções sociais positivas” da religião (ZABATIERO, 2008,
p. 148), mas também pressupõe que “as religiões podem ter contribuições
cognitivas para a esfera política” (MONTERO, 2009, p. 207). Nesse sentido, o
otimismo de Habermas sugere que a religião seja concebida como um tipo de
conhecimento passível de tradução para os problemas públicos, especialmente
quando se trata dos valores morais no mundo
da vida.
Apesar de colocar em novos
termos a leitura teleológica da secularização, o argumento de Habermas é
marcado por uma teoria normativa da esfera pública, uma vez que sua preocupação
esta voltada para a produção de consensos entre as múltiplas vozes que disputam os sentidos do mundo da vida. Contudo,
meu propósito não é “traduzir” a linguagem religiosa nos termos habermasianos,
mas problematizar o desconforto que essa linguagem produz no contexto político
do mundo moderno. Por que a linguagem religiosa causa incômodo nesse contexto?
Por que a religião é percebida como uma “visitante” indesejada e fora do lugar?
Meu argumento é que esse incômodo está relacionado à herança do conceito de laicidade ou secularismo como oposição à ideia de religião.
Pensando no contexto
brasileiro, vejamos a configuração de uma específica gramática religiosa e o
desconforto – ou constrangimento – que essa linguagem produz num lugar onde
aparentemente – julga-se que – não
deveria estar. Nesse ponto, concentro-me nos sentidos que as palavras
comunicam, nas práticas que produzem. Para Mikhail Bakhtin, “a palavra é o
fenômeno ideológico por excelência” (2002, p. 36). A própria noção de
“gramática religiosa”, tal como utilizo, indica um conjunto de regras que organizam a experiência da
linguagem e as interações sociais. Tomemos como exemplo desse desconforto a cena do processo de impeachment contra a então presidenta da
República, Dilma Rousseff (PT).
Sobre um
domingo agonístico.
Domingo, 17 de abril de
2016, dia decisivo (que se estendeu por horas, desde as 14h à madrugada) para a
admissibilidade do processo de impeachment
contra Dilma Rousseff. Após uma série de
reviravoltas políticas e jurídicas (que se arrastava desde meados de 2015,
segundo ano de seu governo), o então presidente da Câmara dos Deputados,
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), declarou aberta a sessão com a seguinte frase: “está
aberta a sessão. Sob proteção de Deus
e em nome do povo brasileiro iniciamos nossos trabalhos” (itálico nosso).
Apesar do pedido de “proteção divina”, do início ao fim, a sessão no parlamento
foi tumultuada: ora se ouvia uníssonas vozes de “fora PT” por parte da oposição
ao governo Dilma, ora se ouvia “não vai ter golpe” por parte dos que defendiam
a presidenta. A sessão foi, de fato, fatídica nas duas acepções que esse termo
pode adquirir: por um lado, selou o destino
combinado entre agentes políticos e elites econômicas; por outro, abriu
caminhos para a trágica ruptura do
pacto democrático.
A sessão de votação do
processo de impeachment tornou
evidente a presença (incomoda) do discurso religioso, de modo que, para fins
analíticos, exige-se uma releitura do conceito de religião, bem como do que entendemos por laicidade. Seguindo as pistas teóricas de Charles Hirschkind, minha
leitura implica em não tomar esses dois conceitos como pares de oposição, mas
como a articulação de “instituições, ideia e orientações afetivas que
constituem uma dimensão importante do que chamamos de modernidade” (2017, p.
175).
Emerson Giumbelli (2004, p.
48) argumenta que no caso da formação do Estado brasileiro, a própria
construção da ideia de modernidade
nasce imbricada com o religioso e não a parte dele. A recente onda dos
evangélicos na política partidária, que passaram a concorrer os mais variados
setores da vida social e a exigir do Estado os mesmos privilégios concedidos à
Igreja Católica, recoloca o problema normativo de que a religião está “fora do
lugar”; entretanto, na formação do Estado brasileiro o catolicismo sempre
esteve presente, mas sua gramática religiosa não incomodava, tal como parece
ser as estratégias de visibilidade e o discurso bélico-exclusivista de alguns
setores evangélicos, especialmente os chamados pentecostais.
Em Os deuses do parlamento, Ronaldo de Almeida nos lembra que a frase
proferida por Cunha na abertura da sessão, que põe em evidência as
características do Estado laico brasileiro, não era somente um “ato de (sua)
vontade” como um evangélico autodeclarado, mas também um “rito de abertura das
sessões do Poder Legislativo, tanto da Câmara como do Senado Federal” (2017, p.
71). Se a frase de Cunha é um rito naturalizado na consolidação da laicidade do
Estado brasileiro, o processo de votação impeachment
colocaria o problema da relação entre religião
e política em superfície. O
desconforto produzido por essa linguagem religiosa torna evidente a ferida
narcísica de um ideal de laicidade que havíamos naturalizado (Cf.
CAROZZI, 1994; GIUMBELLI, 2002, 2004; MONTERO 2003, 2009, 2012).
Ronaldo de Almeida destaca o
“léxico político” mobilizado no voto dos parlamentares pró- impeachment, tais como a noção de “Deus” cristão, a noção de
“família tradicional” e a ideia de “nação”. Segundo Almeida essas três noções
“operaram como elementos unificadores e transversais” de valores do “repertório
político liberal moderno” (2017, p. 71). Nesse caso, não se trata de associar o
discurso religioso ou o chamado “conservadorismo” à conta dos evangélicos, mas
chamar atenção para o substrato comum, ou melhor, para os elementos que foram
capazes de alcançar diversos grupos. Vejamos alguns desses elementos.
Gramática
do sacrifício no parlamento.
O discurso do deputado
Jovair Arantes (PTB-GO), que fez a leitura do relatório após a abertura feita
por Cunha, apresenta os elementos desse “substrato cultural” compartilhado por
diversos grupos sociais ao introduzir uma citação de Chico Xavier. Após uma
leitura de aproximadamente 20 minutos do relatório favorável à instauração do impeachment, Arantes termina nos seguintes
termos:
Peço licença para
agradecer a Deus, a minha família,
meus filhos, meus netos, a meu querido Estado de Goiás, que depositou em mim a
confiança para representá-los nessa casa. Por último, agradeço a todos os
brasileiros pela intensa participação cívica manifestada, em especial na data
de hoje em todo Brasil. Como dizia Chico Xavier e volto a repetir: “ninguém
pode voltar atrás e fazer um novo começo, mas qualquer um pode recomeçar e
fazer um novo fim”. Essa é a hora, esse é o momento de escrevermos a história
democrática do país. O Brasil precisa do seu voto, não lhe falte. É a hora
desse parlamento retomar o protagonismo que foi esquecido durante esses últimos
anos. Concluo senhor presidente, dizendo que o Brasil clama e os fatos
demonstram que devemos autorizar a instauração do processo contra a senhora
presidente da República, Dilma Vana Rousseff. E que Deus nos ilumine (itálicos meus).
Esse “léxico político”, como
diria Almeida, comporta um conjunto de valores e evoca a posição de quem se sente
representante de um coletivo, apelando para as categorias abstratas de “nação
brasileira” e “democracia”. Assim como Arantes, os valores simbólicos
associados a ideia de “Deus”, “família” e “nação” foram evocados para
representar um sentimento de coletividade e conferir credibilidade ao discurso;
essa posição de moralidade e honradez é construída a partir das acusações de
“corrupção” por parte dos adversários políticos. Arantes aciona em seu discurso
os casos do “mensalão” e o “petrolão” como um modo de desqualificar os governos
Lula-Dilma, colando no imaginário coletivo a ideia de um inimigo público.
Quanto à estratégia de
desqualificação, os parlamentares evangélicos apresentaram os discursos mais
violentos, acionando o imaginário bélico com o qual afirmam lidar com os
demônios. Por vezes os limites de constrangimento que a tribuna do parlamento
parece exigir não foram suficientes para que alguns parlamentares evangélicos
vissem seus mandatos como extensão de seus púlpitos eclesiásticos. O deputado
Marco Feliciano (PSC-SP), que também é pastor e circula pelo Brasil fazendo
conferências religiosas, afirmou em seu voto:
Com a ajuda de Deus, pela família, pelo brasileiro,
pelos evangélicos de toda a nação, pelos meninos do MBL, pelo Vem pra Rua.
Dizendo que Olavo (de Carvalho) tem razão, sim. Dizendo tchau a esta querida.
Dizendo tchau ao PT, Partido das Trevas. Eu voto sim ao impeachment (itálicos meus).
A pretensão de Feliciano de
falar “pelos evangélicos de toda a nação” teve reações contrárias nas redes
sociais por partes de evangélicos que não se sentiram representados e por
outros grupos progressistas. Além
disso, o trocadilho com a sigla do PT como “Partido das Trevas” demonstra como
sua atividade de parlamentar estava disposta a travar um combate – com as
“hordas demoníacas” – no mesmo plano com a qual lida como sua atividade
pastoral. Nesse plano, a linguagem religiosa e a linguagem política se
confundem.
Por sua vez, o então
deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e atual presidente da República pelo Partido
Social Liberal (PSL), protagonizou momentos de combates bélicos a exemplo de
outras polêmicas devido às suas declarações racistas, homofóbicas e fascistas:
Perderam em 1964.
Perderam agora em 2016. Pela família
e pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve... Contra o
comunismo, pela nossa liberdade, contra o Foro de São Paulo, pela memória do
Cel. Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff! Pelo exército
de Caxias, pelas nossas Forças Armadas, por um Brasil acima de tudo, e por Deus acima de todos, o meu voto é sim!
(itálicos meus).
Assim como Feliciano,
Bolsonaro, que semana depois foi batizado no rio Jordão pelo pastor Everaldo (o
mesmo que se candidatou à presidência da República nas eleições de 2014), acionou
em seu discurso o imaginário do inimigo a ser combatido e eliminado, focando
especificamente no Partido dos Trabalhadores e na presidenta Dilma Rousseff. Em
seus termos, o processo de impeachment
de 2016 mimetizava o que chamava de “revolução” de 1964 contra os “comunistas”,
especialmente ao evocar a memória de Ustra, reconhecido torturador do regime
militar. Por sua vez, outros poucos deputados procuravam demonstrar que o
mérito jurídico da questão em pauta pouco aparecia no debate, a saber, o
chamado crime de responsabilidade fiscal.
Por certo ainda estamos por
compreender os variados aspectos desse fatídico domingo e seus desdobramentos.
Mas podemos nos perguntar: o que há de comum nos discursos de Cunha, Arantes,
Feliciano e Bolsonaro – entre outros – proferidos na admissibilidade do
processo de impeachment contra a
então presidenta Dilma Rousseff? A cena pública da sessão do impeachment nos mostra que a linguagem
religiosa acionada pelos parlamentares aproxima-se de uma gramática religiosa
do sacrifício, cuja função seria produzir uma vítima expiatória da ira
coletiva.
Religião
como ato sacrificial.
O voto “sim” do então
presidente da Câmara Eduardo Cunha foi precedido da frase: “que Deus tenha misericórdia dessa nação”. Essa
gramática religiosa aciona uma imagem mítica pouco compreensível aos modernos. Em
todos os discursos, a ênfase na soberania divina (Deus acima de todos), a ideia
de um inimigo a ser combatido e
eliminado (comunismo, PT) e a própria noção de “misericórdia” divina em contraposição
à ira divina, apontam para o imaginário da religião como ato sacrificial. Essas noções pressupõem a
necessidade de uma vítima sacrificial, uma vítima expiatória.
Em contraposição a ideia
ocidental de que a noção de “religião” significa “religar”, do verbo latim religare, Giorgio Agamben (2007) aponta
que seu sentido indica justamente o contrário, “separar”. Agamben nota que o
sentido de sagrado implicava numa
“separação” do profano, lembrando que
essa separação nos ritos antigos era operada por meio dos sacrifícios. Renê
Girard argumenta que a função social do sacrifício nas sociedades ditas
“primitivas” cumpria o papel que o sistema judiciário desempenha nas sociedades
modernas: “é nas sociedades desprovidas de sistema judiciário, e por isso mesmo
ameaçadas pela vingança que o sacrifício e o rito em geral devem desempenhar um
papel essencial” (2008, p. 31). Nesse sentido, a própria noção de “sacrifício”
aponta para a ideia de corte, fissura, separação da vítima sacrificial, sobre quem recai a ira coletiva.
Desse modo, é curioso que a
gramática religiosa dos parlamentares durante o voto pró- impeachment, cujos discursos supõem operar uma “ligação” (religare) da “família” e da “nação”
brasileira por meio de seus valores cívicos e sagrados, na verdade operam o
cuidado em manter a separação (religio)
ao evocar os elementos sacrificiais do inimigo a ser eliminado, o “bode
expiatório”, como diria Girard. Nessa gramática, a divindade evocada exige uma
vítima sacrificial a fim de cumprir o papel de apaziguamento para crise estabelecida. Aliás, a própria
noção de “golpe”, despida de seu sentido político moderno, lembra bem o que se
sucedia com a vítima sacrificial. Assim, fica claro que o pedido de “proteção”
e de “misericórdia”, na abertura da sessão e no voto de Cunha, dirige-se à uma
divindade pronta a despertar sua ira. O “uso desenfreado dessa herança
bíblica”, como diria Habermas, continua a desafiar as linguagens seculares dos
modernos. Por isso mesmo a cena da sessão do impeachment chocou-nos.
Epílogo:
sobre pizzas e agonias
Por fim, termino com uma
narrativa que tenta captar algumas impressões observadas naquele exaustivo
domingo. As trocas de acusações “agonísticas”, para lembrar um termo usado por
Marcel Mauss,
acirravam os ânimos dos exaustos e exaltados deputados na sessão da Câmara,
tanto entre os que se dispunham a acusar a presidenta Dilma quanto entre os que
buscavam em vão defendê-la. Apesar do interesse com a qual eu acompanhava o
desenrolar do processo, estava também cansado (e confesso que também de ânimo
exaltado). Por volta das 21h, resolvi buscar uma pizza que havia encomendado
numa pizzaria próximo de minha casa. Enquanto aguardava a vez de ser atendido,
observei que funcionários e clientes da pizzaria também acompanhavam pela TV a
agonística sessão do impeachment.
Entretanto, pelos
comentários, percebi que a maioria não entendia o que se passava, enquanto
outros tentavam explicar o processo. Entre os comentários, havia até quem não
sabia quem era Eduardo Cunha ou mesmo ou quem era o então vice-presidente
Michel Temer (PMDB-SP), quando a conversa se tratava de arriscar uma possível
linha sucessória presidencial. Outros não pareciam interessados na questão,
apesar de demonstrarem incômodo com tudo que se passava.
Mantive o silêncio e
continuei a observar as reações. Foi quando um dos clientes, demonstrando impaciência
com a classe política que discursava (caricaturada a seu modo), sugeriu que se
trocasse de canal e todos passaram a assistir o Programa Silvio Santos, do SBT.
Tal cena lembrou-me a famosa frase de Aristides Lobo destacada por José Murilo
de Carvalho (1987) e que poderíamos parafrasear do seguinte modo:
“bestializados”, sem compreender o que se passava, as pessoas continuavam a
degustar suas pizzas, sem imaginar o cenário que as aguardavam. Afinal, as divindades do capitalismo neoliberal não cessam de exigir sacrifícios
individuais ou coletivos. O cutelo já foi levantado: quem será a próxima vítima?
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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_________ (2012). “Controvérsias religiosas e esfera pública:
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ZABATIERO, Júlio Paulo Tavares. “A religião e a
esfera pública”. In: Cadernos de Ética e
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*José Edilson Teles é graduado em Sociologia e Política (FESP-SP) e mestrando em Antropologia Social (USP).