Por José Edilson Teles*
Prólogo: apresentação do debate
Friedrich Ludwing Gottlob Frege (1848-1925) |
A fim de situar o contexto de sua
produção, procuramos apresentar os antecedentes do debate entre os proponentes
da Filosofia Analítica. Por economia textual, delimitei-me a Friedrich Ludwing
Gottlob Frege (1848-1925), considerado o fundador da lógica moderna. Isso
porque a primeira fase do pensamento de Wittgenstein, sintetizada no Tratactus, consiste numa extensão das
análises de Frege, ao passo que as Investigações
apresentam uma ruptura, apesar de manter a preocupação com a questão da
linguagem.
O ensaio divide-se em três partes: na
primeira procuro situar os antecedentes do problema da lógica na filosofia da
linguagem em Frege e a proposta de sua Conceitografia;
a segunda procura situar o pensamento do jovem Wittgenstein, no qual procura
estender as análises de Frege; por fim, a terceira parte busca compreender os
desdobramentos da filosofia da linguagem na segunda fase do pensamento de Wittgenstein.
Parte 1: Antecedentes
de um problema: a lógica moderna
Ludwig Wittgenstein (1889-1951) |
Afinal, em que consiste o fundamento epistemológico da filosofia analítica? Para tratar dessa questão é preciso recuar à “Conceitografia” (Begriffsschrift), de Friedrich Ludwing Gottlob Frege (1848-1925), publicado em 1879. Entretanto, considerado um marco na lógica moderna, essa obra não teria tido, conforme José Arthur Giannotti, a “mínima repercussão” no contexto do debate (GIANNOTTI, 1961, p. 3). Posteriormente a potência de seu argumento seria reconhecida e equiparada à contribuição de Primeiros Analíticos (2005), de Aristóteles, obra fundadora da lógica filosófica.
Em Conceitografia,
uma linguagem por fórmulas do pensamento puro modelada pela aritmética, Frege
apresenta o que viria a ser conhecido como “projeto logicista”. Considerando
que a linguagem não surgiu com a finalidade de produzir ciência, devido à
polifonia a qual está submetida, Frege defendia a necessidade de uma nova
lógica fundada no rigor matemático. Uma vez que a língua natural, tal como
conhecemos, não é adequada para as necessidades científicas, Frege privilegia a
dimensão rigorosa dos conceitos.
Frege estabelece as bases do que viria a
ser o projeto logicista em quatro pontos: 1) demonstrar que os instrumentos a
disposição dos matemáticos eram insuficientes para levar adiante o projeto; 2)
fornecer os instrumentos técnicos para o novo projeto; 3) esboçar as linhas
gerais da nova lógica; 4) exemplificar os procedimentos ou aplicações
conceituais do novo projeto. Desse modo, a Conceitografia
proposta por Frege é considerada uma ruptura com a tradição filosófica desde
Aristóteles. A partir desse projeto teremos condições de situar as
contribuições de Ludwig Wittgenstein ao projeto logicista, bem como sua ruptura
posterior. É sobre isso que tratarei seguir.
Parte 2: Tratactus: espelhamento do real
Tratactus logico-philosophicus (1968 [1921]) representa a exposição da primeira fase do pensamento do jovem Ludwig Wittgenstein entre os anos de 1910 e 1920. Seu trabalho procura levar adiante as análises de Frege. Em oposição à tradição fenomenológica, cujo interesse voltava-se para uma ontologia da consciência, o Tratactus de Wittgenstein pretende tornar clara a natureza do discurso filosófico ao fazer ciência. Assim como Frege, Wittgenstein considera que a linguagem natural é insuficiente para tratar dos problemas filosóficos. Para ele haveria uma estrutura subjacente à linguagem que permitiria acessar uma estrutura ontológica, isto é, tratar da “realidade”, da coisa em si. O problema da filosofia continental ou fenomenológica é que seu procedimento era equivocado.
Tratactus logico-philosophicus (1968 [1921]) representa a exposição da primeira fase do pensamento do jovem Ludwig Wittgenstein entre os anos de 1910 e 1920. Seu trabalho procura levar adiante as análises de Frege. Em oposição à tradição fenomenológica, cujo interesse voltava-se para uma ontologia da consciência, o Tratactus de Wittgenstein pretende tornar clara a natureza do discurso filosófico ao fazer ciência. Assim como Frege, Wittgenstein considera que a linguagem natural é insuficiente para tratar dos problemas filosóficos. Para ele haveria uma estrutura subjacente à linguagem que permitiria acessar uma estrutura ontológica, isto é, tratar da “realidade”, da coisa em si. O problema da filosofia continental ou fenomenológica é que seu procedimento era equivocado.
Para Wittgenstein a possibilidade de
acessar a estrutura lógica da realidade seria mediada por um modelo lógico
adequado: a linguagem matemática.
Nesse sentido, o estudo da lógica não estaria preocupado com a “verdade”, mas
com a validade dos enunciados. Assim,
Wittgenstein apresenta o argumento central do Tratactus ao propor a teoria pictórica da proposição: a estrutura
lógica da proposição, isto é, um conjunto de enunciados lógicos, reflete à
estrutura do mundo. O modelo matemático daria condições para acessar uma
ontologia da realidade. Entretanto, essa teoria da significação será abandonada
por Wittgenstein nas Investigações
Filosóficas.
Parte 3: Investigações filosóficas: as regras do
jogo
As Investigações filosóficas, escrita em 1945 e publicada em 1953,
representa a segunda fase do pensamento de Wittgenstein. O principal alvo são
as teorias da significação assumidas no Tratactus.
A própria estrutura de argumentação é radicalmente nova, assumindo um modelo
dialógico. Nas Investigações o
problema da linguagem é central, mas com uma diferença fundamental da tese
defendida no Tratactus: ao invés de
buscar uma “lógica subjacente” à linguagem, um modelo matemático que espelha
uma ontologia do real, Wittgenstein sugere que a configuração da linguagem
depende do contexto no qual ela encontra-se situada. Nesse sentido, há muitas
lógicas e inúmeras configurações de seus sentidos.
Portanto, nas Investigações há uma virada epistemológica no conceito de
“significação” e “compreensão” defendidas no Tratactus. O significado não é obtido por um espelhamento com o
real, tal como supõe a teoria de denotação (sua primeira fase), mas pela
dinâmica do uso, pelo contexto e nas
implicações dos jogos de linguagem. Os falantes constroem a compreensão dos
significados nas regras que são colocadas: muda o jogo, muda a regra. Nesse
sentido, para Wittgenstein não há uma essência da linguagem (uma lógica
subjacente), mas múltiplos usos contextuais (1999 [1953], p. 52, parágrafo 65).
Epílogo: rupturas e
continuidades
Os quase 30 anos que separam o Tratactus (1921) e as Investigações (1949) permite-nos pensar
em duas fases do pensamento de Wittgenstein. Por um lado, podemos afirmar que
há uma centralidade na questão da linguagem; por outro, há claramente uma
ruptura de abordagem no que diz respeito à teoria da denotação. Se Tratactus levara adiante o projeto de
logicista iniciado por Frege, as Investigações
apresentam novas possibilidades de tratar a questão da linguagem, evitando
tanto a essencialização da tradição
fenomenológica quanto redução
matemática da tradição logicista de sua primeira fase.
REFERENCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
ARISTÓTELES. “Primeiros
Analíticos”. In. Obras completas. Lisboa,
2005.
GIANNOTTI, José Arthur.
“Introdução”. In: Tratactus
logico-philosophicus, de Ludwig Wittgenstaein. São Paulo: Edusp, 1961
[1921].
NETO, Fernando Raul. “Prefácio ao
Begriffsschrift (1879) de Gottlob Frege (1848-1925): tradução e introdução ao
texto”. In. Revista Brasileira de História da Matemática - Vol. 8 n. 16, 2008.
WITTGENSTEIN,
Ludwing. Tratactus logico-philosophicus.
São Paulo: Edusp, 1961 [1921].
WITTGENSTEIN,
Ludwing. Investigações filosóficas.
São Paulo: Nova Cultura, 1999 [1953].
* José Edilson Teles é mestrando em Antropologia Social (USP), graduado em Sociologia e Política (FESP-SP) e pós-graduando em Filosofia e Pensamento Político Contemporâneo (Centro Universitário Assunção - UNIFAI).