Por José Edilson Teles*
RESUMO
Este
ensaio tem como objetivo fazer breves apontamentos e comparar dois modelos
teóricos pioneiros na interpretação da história econômica brasileira, a saber,
o “sentido da colonização” proposta por Caio Prado Jr., e a análise das
condições da “vida privada” empreendida por Fernando Novais. O modelo pradiano
é caracterizado por uma análise externa, isto é, a economia brasileira apresenta-se
como condição periférica resultado de seu passado colonial, ao passo que o
modelo novaliano investe numa análise das especificidades da formação do
sistema econômico colonial e do Brasil contemporâneo, buscando manter suas
individualidades e situações concretas. Nosso argumento é de que ambos os
modelos, apesar de apresentarem diferentes interpretações do processo
histórico, contribuíram para compreensão das características do sistema
econômico colonial e do modo como o passado se reitera nas relações do Brasil
contemporâneo. Defendemos, assim, uma complementaridade das contribuições
teóricas.
Palavras-chave:
Caio Prado Jr., Fernando
Novais, Sentido da colonização.
Prelúdio:
comparando modelos.
A comparação entre modelos teóricos,
especialmente aqueles considerados pioneiros ou inovadores, exige maior fôlego
do que poderíamos empreender aqui. Apesar da brevidade e do risco de
reducionismo, nosso objetivo é compreender como dois modelos teóricos em
ciências sociais – o primeiro elaborado por Caio Prado Jr. na década de 1940 (o
“sentido da colonização”) e o segundo proposto por Fernando Novais na década de
1970 (“condições da vida privada na colônia”) – complementam-se na interpretação
da formação econômica do Brasil contemporâneo. Embora alguns autores apontem
uma “oposição” entre estes modelos, preferimos compreender como uma “oposição
complementar”, visto que a superação de um não implica na exclusão do outro. É
nesse sentido que Fernando Novais retoma o tema clássico aberto por Caio Prado
Jr. e acrescenta-lhe novos elementos.
O objetivo central de nosso ensaio é
demonstrar como ambos os autores buscam responder um problema comum, a saber, as
características do sistema econômico colonial e de que modo esse passado explica
as relações das econômicas do Brasil contemporâneo. Com Caio Prado Jr. veremos
como o presente é carregado pelos “sentidos” que moldaram as relações do
passado colonial; com Fernando Novais, daremos um passo além, e verificaremos
que apesar do Brasil contemporâneo reiterar seu passado no presente, deve-se
considerar as individualidades de cada situação histórica e suas
especificidades.
Desse modo, se por um lado, a colônia é
vista como uma extensão do mercantilismo europeu (português) e que esta marca
determina sua condição periférica ainda verificada no século XIX (Prado Jr.);
por outro, a passagem do sistema feudal para sistema capitalista, quando
analisadas em suas especificidades, sugerem novos elementos que a leitura
fatalista não dava conta (Novais). De fato, o passado se reitera nas relações
do presente, mas ganha novas dinâmicas. Tentaremos discutir como estes autores
apresentaram estas questões.
Interlúdio: a formação
econômica do Brasil sob dois olhares.
A formação da sociedade brasileira, bem
como o desenvolvimento de suas condições econômicas, suscitou uma série de
debates e paradigmas interpretativos, cujo objetivo era caracterizar as
especificidades deste fenômeno histórico e social. Na tentativa de compreender
as condições históricas que gestaram a economia brasileira no presente, tida
como periférica em relação aos países desenvolvidos, cientistas sociais voltaram-se
para o passado colonial com o objetivo de buscar elementos históricos que
apontariam para as dificuldades que a nação brasileira teria para desenvolver-se.
Tais paradigmas, que de modo geral pode ser interpretados como complementares –
apesar das críticas entre si – buscavam responder um problema em comum: quais
as características ou especificidades da economia desenvolvida no sistema
colonial português e em que medida estas relações ainda se impõe nas relações
atuais. Ou seja, historiografia se dedicou a produzir modelos interpretativos
que dessem conta de explicar as relações entre passado e presente.
O objetivo deste ensaio é fazer breves
apontamentos acerca de dois dos principais modelos teóricos em ciências sociais
que se propuseram a responder estas questões, vistos por um lado como
complementares e ao mesmo tempo como estando em oposição entre si. Trata-se da interpretação
elaborada na década de 1940 por Caio Prado Jr. (1981) e retomada num segundo
momento por Fernando Novais (1974). Para ambos os autores, o surgimento da
sociedade brasileira no século XVI, isto é, o empreendimento colonial é um
prolongamento ou expansão do mercantilismo europeu. No que diz respeito ao
desenvolvimento dos sistemas econômicos europeus, a colônia é uma expansão das
condições históricas e da concorrência europeia.
Na abordagem de Caio Prado Jr., a
economia brasileira ocupa uma condição periférica, cujo “sentido” é encontrado
em seu passado colonial. Na avaliação de Nilo Odália, a abordagem pradiana é
classificada como uma “perspectiva romântico-historicista”, pois seu esforço
está todo voltado para “localizar e determinar as origens do presente, na
pressuposição de que uma vez identificadas basta acompanhar o desenvolvimento
histórico de suas linhas para se ter seu quadro lógico e acabado” (1974, p.
53). O argumento de Caio Prado Jr., cuja influencia teórica é derivada de Karl
Marx, é que “todo povo tem na sua evolução, vista à distância, um certo
‘sentido’. Este se percebe não nos pormenores da sua história, mas no conjunto
dos fatos e acontecimentos essenciais que a constituem num longo período de
tempo” (PRADO Jr. 1981, p. 13). Desse modo, em Prado Jr., a noção de “sentido
de colonização” é elaborada como conceito chave para explicar o fundamento e a
origem da sociedade brasileira como tendo sido moldada pelo seu passado
colonial. Em outros termos, a resposta de Prado Jr. é que o capitalismo
brasileiro é herdeiro de suas marcas do passado, que consistia em produzir para
fora e, portanto, explicaria sua condição periférica dominada por fatores
externos.
A crítica dirigida ao modelo interpretativo
pradiano, geralmente aponta para este aspecto: Prado Jr. não teria dado a
devida atenção para as condições específicas (internas) da colônia, isto é, seu
olhar estava voltado para uma análise do sistema econômico externo. Uma destas
críticas é do próprio Nilo Odália, que chama atenção para o aspecto “fatalista”
desta interpretação, que concluiria que o “Brasil do século XIX não poderia ser
outra coisa do que foi” (1974, p. 54). Entretanto, não há duvidas de que a
contribuição de Prado Jr. foi recolocar o tema das relações econômicas para o
campo da dinâmica história e social em contraposição aos economistas de sua
época que tendiam a transforma-la numa ciência especulativa sem relação com as
condições concretas da história.
Na tentativa de superar estes problemas
teóricos, Fernando Novais (1974, 1998) investiu numa interpretação das
condições internas ou “privadas” da formação da sociedade e economia colonial e
sua transição para o capitalismo. Apesar de o empreendimento colonial ser uma
extensão dos negócios mercantilistas europeus, seu desenvolvimento deveria ser
compreendido na dimensão de sua especificidade dentro desse contexto geral. Sua
análise busca “desvendar” a estrutura geral do universo colonial, iluminando
novas questões sobre a formação econômico-social e sua relação com os modos de
produção, especialmente o trabalho escravo. De modo geral, sua intenção era
compreender a transição do feudalismo para o capitalismo.
Na abordagem de Novais, a especificidade
da colônia é colocada em outros termos: enquanto a metrópole portuguesa, que
passava por um processo de modernização construía a separação das esferas públicas
e privadas, na colônia estas esferas manifestavam-se de modo “ambíguas”. Para
Novais, reconstituir os modos de vida na colônia, inclusive as relações
econômicas, implicam em considerar que estas esferas não estavam indistintas,
mas também não estavam separadas; estavam “imbricadas”. Portanto, sua análise
considera os modos peculiares da colônia de desenvolver e integrar-se naquele
universo.
As principais características da vida na
colônia, segundo a abordagem de Novais, era a mobilidade, a dispersão e a
instabilidade. Estas características são explicadas por dois extremos: por um
lado, o nordeste açucareiro, centro do sistema econômico, voltado para atender
as demandas externas; neste caso, havia uma relação com a estabilidade, pois o
povoamento e os modos de produção tendiam a permanecer e se sedimentar num
lugar. Por outro lado, na periferia deste sistema central, o povoamento era
marcado por uma mobilidade e instabilidade (caso de São Paulo e região); a
economia era de subsistência e produzida para dentro (NOVAIS, 1998, p.
25).
Entre estas características, a
organização do trabalho consistia em sua base de desenvolvimento econômico,
apesar de apresentarem-se como “contraditórias”. Na avaliação de Novais,
“enquanto na Europa se transita da servidão feudal para o salariato através do
trabalho independente de camponeses e artesãos, no mundo colonial acentuava-se
a dominância do trabalho compulsório, e no limite, a escravidão” (1998, p. 33).
Na análise de Novais, a transição do
feudalismo para o capitalismo deveria considerar estes diversos caminhos, ao
invés de se pensar num fatalismo de caminho único. Ao desmontar o mecanismo do
antigo sistema colonial, Novais demonstra como o sistema colonial se adequava
perfeitamente ao papel que dele se esperava. Nisso há diferenças com Caio Prado
Jr. Enquanto em Prado Jr. a condição periférica da economia brasileira no século
XIX é um ponto de chegada como consequência do passado colonial (olhar externo),
para Novais, ao olhar para as condições da vida privada na colônia portuguesa e
se desenvolvimento na sociedade brasileira, busca manter suas individualidades
históricas.
Segundo Odália, o equivoco do pradiano
consistia em consistia em “atribuir ao capital comercial uma posição
extremamente determinante ainda no século XIX brasileiro” (1974, 53), pois
implicaria em negar a individualidade de diferentes momentos históricos.
Poslúdio: contribuições
dos modelos teóricos.
Do que discutimos até aqui, podemos
resumir como segue: Caio Prado Jr. buscou reconduzir os debates sobre a
formação econômica do Brasil para sua dimensão histórica, com base no método
dialético marxista. Neste caso, foi o primeiro acadêmico brasileiro a usar a
teoria marxista para interpretação do fenômeno histórico e social, atribuindo
uma carga de “sentidos” presentes na formação da sociedade brasileira explicado
por seu passado colonial. Prado Jr., ao utilizar este instrumento teórico,
tenta explicar o presente como continuação das condições passado. O “sentido”
do que somos está em outro lugar: a colônia é apenas uma extensão comercial e
ainda teríamos marcas desta dependência.
Na leitura de Fernando Novais, o
“sentido da colonização” deve ser explicado por cada situação concreta, levando
em conta as individualidades de cada momento histórico, ou seja, sua gênese,
seu desenvolvimento e sua decadência. Apesar de o passado colonial fazer-se
presente no Brasil contemporâneo, não devemos buscar uma causalidade fatalista,
mas observar a especificidade de cada situação.
Apesar de alguns autores, como Nilo
Odália, encontrarem mais oposição que complementaridade entre as abordagens de
Caio Prado Jr. e Fernando Novais, podemos afirmar que ambos, contribuíram para
uma melhor compreensão da complexa formação da história economia brasileira.
Nesse sentido, as oposições
complementam-se na abertura de novos caminhos interpretativos.
Referencias
bibliográficas
NOVAIS, Fernando A. (1974). “Estrutura e dinâmica do Antigo
Sistema Colonial”. In: Cadernos Cebrap.
São Paulo.
___________ (1998). “Condições da privacidade na colônia”. In: História da vida privada no Brasil. Vol.
1. São Paulo, Cia das Letras.
ODÁLIA, Nilo (1974). “Sentido de colonização, modo de produção e
história colonial”. In: Debate e Crítica,
n. 4. Revista quadrimestral de Ciências Sociais, novembro de 1974.
PRADO Jr., Caio (1981). Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo. Brasiliense.* José Edilson Teles, graduado em Sociologia e Política (FESP-SP) e mestrando em Antropologia Social (USP).